A iniciativa de propor um Sistema Financeiro Sustentável teve início em janeiro de 2014 pelo Programa para o Meio Ambiente das Nações Unidas. A iniciativa publicou o seu primeiro trabalho intitulado “o Sistema Financeiro que Precisamos” em outubro de 2015 – trabalho que teve uma segunda edição em outubro de 2016.
Enquanto durou, a iniciativa envolveu trabalhos em 20 países, estabeleceu parcerias com mais de 70 organizações em todo o globo e produziu mais de 120 relatórios sobre as principais dimensões do financiamento verde sustentável. A iniciativa foi oficialmente encerrada em 2018, com a incorporação das suas rotinas aos processos de trabalho permanentes do Programa para o Meio Ambiente das Nações Unidas. Mas ela foi mais que suficiente para funcionar como faísca em palha seca, para responder demandas da sociedade, dando início à um novo campo de aplicação em Finanças: a Sustainable Digital Finance (SDF).
De forma ampla, o Grupo de Estudos em Finanças Sustentáveis do G20 entende a Sustainable Digital Finance como o conjunto de produtos e serviços financeiros, processos de análise de investimentos e a regulação econômica ou autorregulamentação dos mercados, que contribuem direta ou indiretamente para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – quantitativa e qualitativamente. Este Grupo de Trabalho tem foco em identificar experimentos e experiências, com métodos, métricas e instrumentos replicáveis, que assegurem uma alocação de capitais promotora de externalidades de amplo impacto ambiental e social além do econômico. E a partir daí, o Grupo busca orientações para a formulação de políticas públicas e acordos internacionais fomentadores das mencionadas externalidades e de práticas que as multipliquem.
Nos últimos cinco anos, as aplicações da Sustainable Digital Finance tornaram-se pauta permanente das reuniões do G20 e outros fóruns internacionais, com especial destaque para Davos neste ano de 2020. Um crescente número de métodos, métricas e instrumentos se inserem de modo acelerado no “framework” da SDF e são cada vez mais comuns na tomada de decisões de investimentos e no desenvolvimento de novos produtos em um número crescente de instituições financeiras, “family offices”, fundos de pensão e companhias seguradoras. Ainda que não pareça aos olhos menos atentos, há um movimento consistente de aumento da inserção da SDF nos modelos de alocação de capitais – especialmente pelo fato de muitas oportunidades de geração de valor extraordinário se encontrarem, hoje, em modelos de negócios e novas tecnologias que contribuem ostensivamente para o alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).
As oportunidades para a geração de valor aplicando métodos, métricas e instrumentos da Sustainable Digital Finance são crescentes. Segundo relatórios das Nações Unidas, estima-se que seriam necessários entre US$ 5 trilhões até US$ 7 trilhões de investimentos anuais para que os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) possam ser alcançados até 2030 – ou seja, nesta década. Os Estados Nacionais não podem ir além de uma parcela ínfima de tais investimentos com recursos extraídos da sociedade com impostos. Sendo assim, serão as oportunidades de geração de valor para os capitais privados, que determinarão o ritmo com que serão alcançados os ODS. A prática e o desenvolvimento da Sustainable Digital Finance serão instrumentos indispensáveis neste cenário.
A área de conhecimento intitulada Finanças não é uma ciência. Ela é um conjunto de práticas, métodos, métricas e instrumentos aplicados. Os seus campos de especialização surgem, se estruturam e evoluem estimulados por demandas da sociedade e interesses associados à geração de valor – um conceito dinâmico, mutante como são os desafios pela subsistência social ao longo dos tempos. A Sustainable Digital Finance não difere nas suas características essenciais da área de conhecimento em Finanças. E as aplicações da SDF estão muito distantes do que chamamos Investimento Filantrópico de Impacto ou Filantropia Social. Como em qualquer área financeira, a SDF tem foco em negócios geradores de valor para o capital alocado. O que a SDF traz, hoje, para a área de Finanças são novos modelos, métricas e instrumentos que mensuram a alocação de capitais com a máxima externalidade ambiental e social, simplesmente por ser assim um bom negócio para as décadas que se aproximam e ser esta a melhor forma de otimizar os recursos escassos que a sociedade possui.
Em processo semelhante ao do nascimento de outras áreas de especialização em Finanças, a SDF surge como resposta aos desafios estabelecidos pelos mercados. Hoje, são eles: (i) as mudanças estruturais nos fluxos internacionais do comércio e seus impactos sobre as oportunidades de geração de valor para os capitais; (ii) as mudanças profundas em paradigmas tecnológicos e seus efeitos sobre os modelos de negócios; e, (iii) as ameaças provocadas à subsistência social em função das alterações do clima e dos desequilíbrios entre rendas, elevando a pressão da sociedade por restrições regulatórias e punições fiscais. A especialização é nova, mas suas origens já foram vividas na História e seguem um mesmo processo de evolução das práticas financeiras desde o período mercantilista.
Os métodos, métricas e instrumentos incorporados ao “framework” da SDF começaram absorvendo o que existe em outras áreas de especialização em Finanças. E aproveita produtos e serviços financeiros já organizados em diferentes mercados nacionais e internacionais. E, hoje, adiciona o que há de novo em novos estudos, como os da “behavioral finance”, do “impact investing”, do “new value investing”, da “green finance”, da “digital finance” e outros até incipientes campos de pesquisa financeira aplicada.
Assim os especialistas em SDF, tanto quanto “policy makers”, vêm buscando formar um todo articulado, que se mostre capaz de responder as demandas pela qualificação e quantificação das externalidades que serão crescentemente inseridas nas aferições do valor em uma nova economia: (i) associada à nova estrutura do comércio internacional; (ii) sob os novos paradigmas tecnológicos; e, (iii) capaz de mitigar as ameaças do clima e desequilíbrios de renda, entregando valor extraordinário ao capital alocado. O resultado já foi visto na História Econômica e no desenvolvimento das práticas financeiras: em dez anos a SDF haverá se consolidado como uma especialização adicional em Finanças.