Neste artigo prosseguimos discutindo O Desafio da Economia Climática, começando por uma correção sugerida por colegas economistas sobre o uso da expressão Bens Comuns – que adotamos em artigo anterior para a classificação dos recursos ou fatores de produção como a atmosfera, os oceanos e até o espaço extraterrestre imediato que circunda o nosso planeta – todos Bens Públicos Globais que compartilhamos como uma só Humanidade.
Nós usamos o termo Bens Comuns, em substituição da expressão mais citada na literatura, que é Bens Públicos ou Bens Públicos Globais. Estas podem ser encontradas em traduções como o trabalho de Varian, (2021, página 715) ao reportar as dificuldades de tratamento de externalidades de consumo envolvendo múltiplas pessoas que consomem as mesmas quantidades de um dado bem. Enquanto o termo Bens Públicos Globais é usado na tradução de Samuelson. P & Nordhaus, W (2012). Em ambos, o termo em Inglês é Public Goods.
Para nós, economistas, o conceito surgiu como forma de apontar os efeitos de externalidades que nascem da ação de produtores de bens privados, que reduzem os seus custos totais externalizando certas parcelas de custos dos seus métodos produtivos – como é o caso dos custos da poluição provocada por resíduos não tratados, o desmatamento ou mesmo os congestionamentos de trânsito induzidos pelos arranjos da mão-de-obra de modo centralizado em fábricas e escritórios diante de substitutos tecnológicos já disponíveis (custos estes que são diluídos e pagos igualmente por todos os indivíduos da sociedade e pela biodiversidade da Terra).
A nossa intenção no uso da expressão Bens Comuns foi deliberada, em face do nosso interesse em afastar a confusão corrente com o “Público” que não tem dono, ou que é sempre responsabilidade de “Alguém” que não seja eu mesmo. Nunca em nossa História Econômica foi tão necessário que todos nós estejamos conscientes de que temos Bens Comuns para tratar, e que a crescente escassez da oferta de Bens Públicos Globais para a nossa sobrevivência – seja como indivíduos ou como espécie – é de cada um de nós. Para ilustrar a nossa preocupação, talvez seja adequado citar as palavras de Margaret Tatcher em um de seus discursos:
“Nunca esqueçamos esta verdade fundamental: o Estado não tem fonte de dinheiro senão o dinheiro que as pessoas ganham por si mesmas e para si mesmas. Se o Estado quer ganhar mais dinheiro, somente poderá fazê-lo emprestando de sua poupança ou aumentando seus impostos. Não é correto pensar que alguém pagará. Esse alguém é você. Não há dinheiro público, há apenas dinheiro dos contribuintes.”
Pois não é correto pensar que “Alguém” ou o “Governo” resolverá o problema da escassez crescente de Bens Comuns tratando por mágica os efeitos das externalidades de nosso modo de vida. Todos temos uma parcela de responsabilidade e tarefas a cumprir. Já ultrapassamos a época de admitir ser o “público” o que não tem dono, e que um tal “alguém” ou ente mitológico chamado “governo” possa sobreviver sólido sob a ausência de nós indivíduos reais ou do que nos suporta à vida.
Se aceita a justificativa de atribuir a expressão Bens Comuns como um sinônimo do termo Bens Públicos ou Bens Públicos Globais, nos renderemos aqui agradecidos pelas contribuições dos colegas economistas, aderindo ao termo adotado (nas traduções para o Português da literatura econômica em Inglês), pelo professor Paul Samuelson (Prêmio Nobel de Economia em 1970, falecido em 2009) batizou como: Bens Públicos Globais (BPG).
“Os bens públicos globais talvez sejam a mais difícil de todas as falhas de mercado. Estes são externalidades cujos impactos são indivisivelmente espalhados por todo o mundo. Exemplos importantes são as ações para reduzir o aquecimento global (analisado mais tarde, neste capítulo), medidas para evitar a destruição da camada de ozônio ou as descobertas para prevenir uma epidemia global de gripe aviária. Os bens públicos globais colocam problemas específicos porque não há mercado eficaz ou mecanismos políticos disponíveis para alocá-los de maneira eficiente. Os mercados falham, em geral, porque as pessoas não têm incentivos adequados para produzi-los, enquanto os governos nacionais não conseguem captar todos os benefícios dos seus investimentos em bens públicos globais.
Porque os bens públicos diferem dos outros bens? Se uma tempestade terrível destrói grande parte da colheita de milho, o sistema de preços irá guiar os agricultores e os consumidores para equilibrar as necessidades e as disponibilidades. Se o sistema de estradas públicas americano necessita de modernização, os eleitores irão pressionar o governo para desenvolver um sistema de transporte eficiente. Mas se os problemas que surgem dizem respeito a bens públicos globais, como o aquecimento global ou a resistência a antibióticos, nem os participantes no mercado, nem os governos nacionais têm os incentivos adequados para encontrar um resultado eficiente. O custo marginal dos investimentos para cada pessoa, ou país, é muito menor do que os benefícios marginais globais e o subinvestimento é o resultado certo”. (Samuelson, P. & Nordhaus, W. 2012, páginas 240/241).
Aos menos atentos, deve ser explicado que o mecanismo natural de ajuste entre as necessidades do indivíduo ou organização por um determinado bem e a oferta deste bem pelos que o produzem é: o sistema de preços em cada mercado.
Assim, quando a oferta de um grande produtor de arroz diminui em face da continuidade de novas demandas futuras (ou necessidade adicional marginal de uma unidade do bem), os preços sobem, sinalizando a escassez do produto. Então, mais arroz é produzido por novos produtores interessados nos preços mais altos ou importado para o mercado, em face do mesmo incentivo. Isto faz a oferta crescer novamente, reduzindo a escassez de arroz. Assim, ajusta-se oferta e demanda pelo incentivo do sistema de preços. Quando este sistema não funciona, tratamos o efeito como uma falha de mercado. Hoje, para nós economistas, “os bens públicos globais talvez sejam a mais difícil de todas as falhas de mercado”.
Como mostramos no artigo O Desafio da Economia Climática, não medimos ou precificamos a oferta e demanda dos Bens Públicos Globais – pois não há um mercado com um mecanismo de preços capaz de produzir benefícios marginais globais, que incentivem indivíduos ou países a investir para cobrir os custos marginais globais – já que custos e benefícios marginais de bens públicos globais foram até aqui dispersos em quantidades iguais por todos os membros da sociedade humana: foram tratados como externalidades aos custos de produção.
Hoje, as pesquisas da Economia Climática têm interesse particular no tratamento de externalidades que levaram à escassez de matérias-primas oriundas da infraestrutura natural do planeta, à indisponibilidade do equilíbrio climático, à poluição atmosférica ou à extinção da biodiversidade. É preciso encontrar formas de criar incentivos econômicos que estimulem ações antrópicas, em busca do tratamento de tais externalidades que precisam ter seus custos incorporados à produção – sob dadas tecnologias vigentes.
Os Acordos Internacionais do Clima, da Biodiversidade e da Desertificação nascidos a partir da ECO-92 no Rio de Janeiro, têm no que tange às justificativas da pesquisa econômica promover incentivos globais para tratar externalidades. As taxonomias regulatórias deles decorrentes formam o núcleo da pesquisa na área de Regulatory Economics que nós, economistas especializados nas questões climáticas, exploramos continuamente. É de tais estudos que vêm nascendo subsídios para novos marcos regulatórios em diferentes partes da Terra. Todos, sempre em busca da construção de novos incentivos econômicos que ajustem a oferta e demanda associadas aos Bens Públicos Globais, oferecendo oportunidades de geração de valor.
Os leilões de subsídios ou direitos de emissões europeus (allowances) – hoje espalhando-se em sistemas equivalentes por outras regiões do globo, tanto quanto os mercados voluntários de negociações de Créditos por Pagamentos de Serviços Ambientais (PSA) – sendo o mais conhecido deles o Mercado de Créditos por PSA de Reduções de Emissões de Gases do Efeito Estufa (ou simplesmente Créditos de Carbono), são exemplos de mecanismos de incentivos econômicos à internalização dos custos tratados até aqui como externalidades.
É importante notar que, ao mesmo tempo ocorrem incentivos econômicos positivos e negativos. Enquanto impostos, a fiscalização e o controle governamental por medidas de licenciamento ambiental atuam na punição, oportunidades de novos negócios e incentivos por ganhos econômicos podem ser extraídos do surgimento de novos mercados – como foi o caso dos Créditos de Carbono ou da Restauração de Terras Degradadas pela agricultura regenerativa, áreas nas quais a Regulação Econômica da Sustentabilidade pode moldar novos comportamento dos agentes econômicos.
Estamos no primeiro dia de uma nova Era da Economia Sustentável, atuando em momentos de uma transição de modelos de produção vivenciados por nossos antepassados trezentos anos atrás, nos primórdios da Era da Economia Industrial.
As possibilidades de tratamento das externalidades de nossos Bens Comuns Globais, representam apenas uma parte das infinitas oportunidades de geração de valor que a pesquisa econômica está ajudando a desenhar – em novos métodos, métricas e ferramentas que entregam novos produtos, serviços e novos negócios. Vamos aproveitar isso juntos, ou sucumbir como tantos fizeram antes, amarrados às carroças com cavalos em lugar de investir em locomotivas à vapor.
Referências Pesquisadas:
- SAMUELSON, P. & NORDHAUS, W. – “Economia”, Porto Alegre: AMGH, 2012
- VARIAN, H. R. – “Microeconomia: uma abordagem moderna”, Rio de Janeiro: GEN | Grupo Editorial Nacional, publicado pela Editora Atlas, 2021.