O Papel das Externalidades

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Em artigo anterior falamos sobre O Desafio da Economia Climática em desenvolver métodos, métricas e ferramentas com o reconhecimento técnico e aplicação pelos agentes de atuação internacional, para determinar as quantidades, preços e o valor adicionado aos capitais investidos em nossos Bens Públicos Globais.

O desenvolvimento deste instrumental é uma demanda de natureza prática, na qual pesquisas econômicas em nossa casa de análises Ivisix Research tem se dedicado – (i) formulando e customizando modelos econométricos e econômico-financeiros; (ii) atuando em estudos de planejamento contábil e seus rebatimentos futuros nas consolidações para o Sistema de Contabilidade Social do Brasil; e, (iii) na estruturação de novos produtos e serviços em Finanças Sustentáveis para o mercado financeiro e de capitais – com destaque para a construção e implementação do nosso Modelo de Administração por Indicadores de Sustentabilidade (MAIS)[1] usando tecnologias de ciência de dados da IBM.

O coração dos nossos trabalhos atuais são as pesquisas econômicas sobre a precificação das externalidades de consumo entre múltiplos agentes econômicos, buscando identificar em modelos econométricos qual e como calcular a quantidade consumida e/ou capitais alocados para equacionar a demanda e oferta de Bens Públicos Globais. Espera-se alcançar a identificação de fórmulas e formas que possam ser usadas para tornar decisões sociais sobre Bens Públicos Globais, a partir da proposição de Nordhaus, 2021, p.48:

“A diferença entre os custos marginais sociais e os benefícios sociais é exatamente o impacto das externalidades”. (tradução livre nossa)

Mas afinal, o que são externalidades e por qual razão ela têm um papel central na pesquisa econômica da nova Era da Economia Sustentável ou Regenerada? [2]

Para nós economistas, uma externalidade de consumo ocorre quando um consumidor se preocupa diretamente com a produção ou o consumo de outro agente. Do mesmo modo, uma externalidade na produção surge quando as possibilidades de produção de uma empresa são influenciadas pela escolhas de outra empresa ou de outro consumidor. Mas a principal característica das externalidades para a Ciência Econômica é que há bens com os quais as pessoas se importam, mesmo que tais bens não estejam disponíveis para a comercialização em mercado organizados.

Veja que um pressuposto dos modelos microeconômicos primários, aqueles que aprendemos nos primeiros anos da Universidade, estabelece que todas as interações racionais entre consumidores e produtores ocorrem por meio do mercado, de modo que tudo o que os agentes econômicos precisam saber são os preços do mercado e as suas próprias possibilidades de consumo ou produção. No entanto, quando avançamos nos estudos da Microeconomia, tal pressuposto precisa ser complementado por abordagens metodológicas que relaxam algumas premissas dos modelos microeconômicos mais básicos.

Este é o caso dos estudos dos nossos Bens Públicos Globais, principal objeto da Economia Climática, que exige ir além do mecanismo de mercado capaz de alcançar alocações de fatores de produção eficientes no sentido de Pareto, e, na ausência de externalidades.

Como um ex-regulador, professor e pesquisador no campo da Economia da Regulação (Regulatory Economics)[3], tratar externalidades para minimizar os efeitos do mercado não apresenta uma provisão de recursos eficiente no sentido de Pareto não é uma novidade. Ainda mais tendo vindo de anos de experiências profissionais nas indústrias de utilities, onde monopólios naturais exigem instituições sociais (como o sistema legal ou as agências reguladoras de Estado), que podem “forçar imitações” do comportamento de agentes econômicos se estivessem sob as forças de oferta e demanda em mercado concorrenciais, aproximando os resultados da eficiência de Pareto.

Mas como um pesquisador no campo da Economia Climática, os tratamentos dos Bens Públicos Globais exigem desafios ainda maiores, pois ao contrário das estruturas sociais das Nações, onde o pacto social lhes confere poder coercitivo e arbitrário totais, no cenário internacional ou planetário, impor aos agentes econômicos comportamentos que imitem o mercado concorrencial exigiria, no mínimo a Terceira Guerra Mundial.

As nações do planeta são soberanas e nem mesmo a Organização das Nações Unidas (ONU) possui delegação ou força militar para atuar como força coercitiva policial dentro dos territórios nacionais. Esta é, justamente, a grande fragilidade dos Acordos Internacionais no Clima, da Biodiversidade e da Desertificação entre outros: a dependência do voluntarismo e adesão real das nações aos seus objetivos econômicos, sociais e de governança.

Na ausência da alocação eficiente das forças em mercados concorrenciais, e, diante da impossibilidade de coerção regulatória no cenário global, o tratamento dispensado à superação da escassez imposta pelo modelo de produção da Era da Economia Industrial, permanece dependente do quanto cada nação adota em suas economias nacionais, as métricas, métodos, ferramentas, políticas e práticas, que promovam reflexos sobre a regeneração de Bens Público Globais que ajustem oferta e demanda de tais bens pela na Terra.

Este é o caminho até aqui trilhado, na busca por soluções para que as externalidades, os tais Bens Públicos Globais, sejam minimizadas ao ponto de tornar eficientes a sua oferta e procura no sentido de Pareto – mesmo em um modelo de alocação planetária de tais Bens Público Globais, tal como ocorre em mercados nacionais ou jurisdições sub-planetárias.

A teoria microeconômica já dispõe de vários modelos conceituais aplicáveis à interpretação e tratamento dos Bens Públicos Globais (como a Caixa de Edgeworth, o Teorema de Coase ou até mesmo o antigo instrumento do Imposto de Pigou, entre outros)[4]. Mas em escala global, agora que a Ciência Econômica pode contar com o poder computacional da virtualização em nuvem e mecanismos de Ciência de Dados, construir soluções em métricas e ferramentas adequadas é a tarefa de transpiração a ser enfrentada.

“Nos últimos anos, os economistas começaram a desenvolver novas medidas para corrigir os maiores defeitos dos valores do PIB padrão e para refletir melhor os verdadeiros resultados de satisfação e produção da nossa economia. As novas abordagens tentam expandir as fronteiras das contas tradicionais, com a inclusão de importantes atividades exteriores ao mercado, bem como no expurgo de atividades prejudiciais, que são incluídas como parte do produto nacional”. [ … ]

“Os economistas têm alcançado progressos consideráveis no desenvolvimento de contas nacionais ampliadas, que são concebidas para incluir atividades para além das definições tradicionais das contas nacionais. O princípio geral das contas ampliadas é incluir toda a atividade econômica que seja admissível, tendo ou não tendo essa atividade no mercado. Exemplos de contas ampliadas incluem estimativas do valor da pesquisa e desenvolvimento, dos investimentos fora do mercado de capital humano, da produção doméstica não remunerada, das florestas e do tempo de lazer. Os economistas estão até desenvolvendo contas para os dados da poluição do ar e do aquecimento global. Quando essas contas adicionais estiverem completas, teremos um quadro financeiro mais abrangente da economia”. (Samuelson, P. & Nordhaus, W. 2012, p.356 e 357)

Veja pelas datas de formulação de algumas das ferramentas da teoria microeconômica mencionadas, que a Ciência Econômica trabalha há décadas na sua instrumentação para quantificar e valorar o papel das externalidades e seu tratamento macro e microeconômico.

Uma grande parte das dificuldades enfrentadas tinham origens conceituais por certo, mas outras tantas esbarravam na disponibilidade de tecnologias estatísticas e de processamento de dados em escala global, que outras áreas científicas foram suprindo nestes últimos trezentos anos da Era da Economia Industrial. E por certo, hoje, a escassez crescente dos Bens Públicos Globais impõe novas obrigações e prazos às pesquisas econômicas, que se aceleram na mesma medida da frequência e intensidade os eventos climáticos extremos.

No entanto há muito ainda por ser feito. Mesmo nos planos contábeis das empresas, incluindo as brasileiras, patrimônios em florestas nativas não manejadas e a vegetação nativa oriunda de processos de regeneração natural, apenas para citar um dos inúmeros exemplos – ainda que existam informações oficiais acompanhadas em bases de dados como o PRODES[5], continuam sendo simplesmente ignorados nos registros contábeis de seus proprietários. Este é um claro descumprimento da mais básica das normas contábeis brasileiras: o CPC-00[6].

No entanto, como discutido nos artigos anteriores O Desafio da Economia Climática e Os Nossos Bens Públicos Globais, a superação da escassez destes últimos não pode mais prescindir da quantificação, precificação e contabilização do papel da externalidades. São esses os desafios metodológicos aos quais nós economistas nos dedicamos para a evolução de um mercado regulado de oferta dos Bens Públicos Globais.

Sim, regulado, uma vez que a natureza das suas constituições e os direitos humanos sobre o seu consumo e mitigação dos seus efeitos negativos exigem ações globais, supranacionais e sub-jurisdicionais combinadas, de instituições sociais para minimizar os efeitos da ausência d de um mercado concorrencial, capaz de alcançar alocações eficientes de Bens Públicos Globais no sentido de Pareto.

Um arcabouço que exige uma combinação inovadora da Economia da Regulação tradicional com a nova área de conhecimento da Economia Climática, onde as externalidades possuem papel igualmente importante no equacionamento das questões centrais de ambos os ramos da Ciência Econômica.

Assim, introduzimos nesse e nos últimos dois artigos os conceitos centrais dos esforços da teoria da Economia Climática e sua interseção com a Economia da Regulação através do endereçamento dos impactos das externalidades.

Nas próximas publicações, abordaremos algumas implicações práticas e a estruturação de produtos, serviços e negócios que as pesquisas econômicas de nossa casa de análises Ivisix Research tem produzido e implementado com nossos clientes nos últimos anos – atendendo assim, aos que nos pediram para demonstrar na prática o que conceituamos e instrumentalizamos na teoria.

Notas:

[1] O Modelo de Administração por Indicadores de Sustentabilidade (MAIS) é uma solução desenvolvida pela Ivisix Research Ltda. que deu origem ao projeto da startup Dextron Technologies , a ser explicado em outro artigo da nossa série aqui no LinkedIn.

[2] Em função de um trabalho extenso de releitura e reflexão sobre a evolução do conceito da Sustentabilidade e suas aplicações práticas – combinadas com discussões internas com o nosso time de especialistas associados, mentores e colaboradores com os quais temos revisitado a Teoria Econômica nascida na Era da Economia Industrial, começamos a usar internamente a expressão Economia Regenerada ou Economia da Regeneração em lugar da expressão Economia Sustentável. Em uma oportunidade futura daremos luz aos argumentos técnicos que nos têm levado ao uso de tal expressão, mas por enquanto considere-a como um sinônimo do entendimento comum sobre a Economia Sustentável.

[3] Uma descrição detalhada da área da Economia da Regulação ou Regulatory Economics está disponível, com referências de pesquisas neste link da Wikipedia em Inglês.

[4] Uma explicação detalhada de cada um desses e outros instrumentos hoje usados nos estudos da Economia Climática, vai muito além do espaço desse artigo, mas todos podem ser pesquisados em qualquer bom Manual de Microeconomia atualizado nos últimos anos. Mas citamos rapidamente, de forma simplificada, em Economia, uma caixa de Edgeworth é uma maneira de representar várias distribuições de recursos, apresentada por Francis Edgeworth em Mathematical Psychics: Um Ensaio sobre a Aplicação da Matemática às Ciências Morais em 1881; o Teorema de Ronald Coase (prêmio Nobel de Economia) foi formulado no paper The Problem of Social Costs publicado no The Journal of Law & Economics, 3 em outubro de 1960; enquanto o chamado Imposto de Alfred Pigou está proposto em The Economics of Welfare, publicado pela Universidade de Cambridge.

[5] O PRODES é uma base de dados passível de consulta pública com polígonos de incrementos de desmatamento e outras informações da vegetação nos biomas brasileiros, integrante da plataforma Terrabrasilis que reúne dados oficiais do Governo Brasileiro.

[6] Por dispensar muitas vezes o valor de florestas nativas não manejadas em empresas onde tais valores mostrariam-se expressivos se assim fossem registradas, as demonstrações contábeis no Brasil de tais casos, podem não estar atingindo o objetivo do Relatório Contábil-Financeiro de propósito geral previsto em legislação. A Ivisix Research desenvolveu um conjunto de soluções a partir de proposições de membros do Comitê de Práticas Contábeis para a correção desta e outras falhas nos registros contábeis.

Referências:

  • a) Nordhaus, William D. – The spirit of green: the economics of collisions and contagions in a crowded world – New Jersey: Princeton University Press, 2021.
  • b) Samuelson, Paul A. & Nordhaus, William D. – Economia – 19ª Edição – Porto Alegre: AMGH, 2012.
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