O meu plano real no Setor Elétrico

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Ao festejar os 30 anos do Plano Real faço aqui um registro de quem viveu no Setor Elétrico Brasileiro, um dos períodos mais ricos que um economista pode presenciar na História Econômica do Brasil – reorganizando os processos e negócios do Sistema Eletrobrás, atuando diariamente para superar obstáculos do Plano Nacional de Desestatização (PND), participando de grupos de trabalhos diversos com as equipes do BNDES , dos Ministérios da Fazenda, Planejamento e Minas e Energia, enquanto coordenava o contrato dos estudos do Programa de Reestruturação Regulatória do Setor Elétrico Brasileiro (RESEB), então como Controller na Diretoria de Gestão Corporativa e Financeira da holding do Sistema Eletrobrás.

Como um econometrista que havia começado a carreira dez anos antes trabalhando no Departamento de Estudos Econômicos da Eletrobras, sob as orientações de econometristas do porte de Osao Kono, Abrahão Oigman e Gastão Reis que, usando um Modelo de Equilíbrio Econômico de Dois Hiatos, apoiavam nossos estudos em busca de alguma previsibilidade dentro do caótico período hiperinflacionário que desorganizou as cadeias produtivas do Brasil, estar na posição de colaborar da forma como nos foi possível fazer com apenas dez anos de experiência, era inacreditável para nós todos os dias.

Nos anos noventa, após ter passado por quase uma dezena de planos de estabilização e um confisco de poupança, ver os índices de variação dos preços desacelerando e o poder de reserva de valor da moeda nacional restabelecidos, foi como ficar com o coração encantado assistindo à um show do melhor mágico do mundo, enquanto o meu cérebro se empanturrava com a materialização de cases da teoria econômica à luz do dia.

Era o nosso Brasil, a primeira nação da História Econômica a vencer a hiperinflação sem a destruição de uma guerra. Nenhum jovem economista pode imaginar o que foi a sensação que nos inundava a cada divulgação dos novos índices de preços, tanto quanto o cansaço prazeroso do dever cumprido.

Nos grupos de trabalho em Brasília, e nas sala de aula da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ), do nada as minhas aulas na cadeira de Economia da Regulação pularam de eletiva rejeitada para a posição de matéria Pop-Star com a aprovação da nova Lei nº 8.884/94 com a qual reorganizamos as regras dos mercados concorrenciais no Brasil, e da Lei nº 8.987/95 que regulamentava as falhas de mercado ou setores de monopólios naturais onde o sistema de preços não funciona – dadas as barreiras tecnológicas para o ajuste da oferta e procura de bens por um sistema de preços livre.

Era incrível poder repensar uma economia do zero, recomeçar a organização de um sistema econômico inteiro e buscar antecipar o que todos os novos marcos regulatórios entregariam no futuro. Como um especialista em Economia da Regulação, nada nunca mais se comparou com a experiência de desenhar o que fizemos e todas as oportunidades de novos negócios que surgiram depois.

A partir das novas leis gerais nos voltamos para os novos marcos regulatórios do Setor Elétrico Brasileiro: um setor de utilities que detinha então o honroso título de indústria regulada mais antiga do País, o que fora feito com a aprovação do Código de Águas de 1934. E foi nos estudos do Programa de Reestruturação Regulatória do Setor Elétricos Brasileiro (RESEB) aprendendo com gênios do Setor como Jorge Trinkenreich, Mário Veiga, Xisto Vieira Filho, Marco Aurélio Palhas, Ruderico Pimentel e tantos outros das empresas do Sistema Eletrobrás, que nos foi concedido o espaço para aplicar nos seus mais profundos detalhes, a teoria econômica da área da microeconomia que chamamos Economia da Regulação.

Nossa !!! Ainda hoje, recordando, vivo aquela incrível sensação de participar das discussões, contribuir com minutas onde buscava embasar com argumentos dos manuais de economia e livros texto, as decisões estudadas nas experiências de outros países. Os longos debates em reuniões que se estendiam noite adentro, examinando e muitas vezes reescrevendo artigo após artigo da legislação e regulamentos infralegais – simulados tantas vezes em modelos diversos. Eram as normas que iriam impactar o comportamento dos agentes econômicos, o reposicionamento das empresas e a reorganização dos mercados, arrumando a economia brasileira após o furacão hiperinflacionário.

Em Brasília as interações semanais, muitas vezes, em reuniões com Malan, Marthus Tavares, Pedro Parente, Cláudio Considera, Andrea Calabi, Beth Cequim, Anália Freire, Otacílio Caldeira e tantos outros nos instigava à preparar-nos para não deixar espaços para dúvidas. E cada reunião era uma aula, um case com demandas urgentes porque o Brasil tinha pressa em se aprumar novamente.

Anos depois, à frente da montagem da área de Regulação Econômica da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), muito do que havia aprendido no Setor Elétrico foi usado na regulação prática de mais um setor da economia. Mais do que estudar a Regulação Econômica, ser um regulador nos anos pós-estabilização foi uma experiência única de colocar em prática o que a teoria te explica – negando o ditado popular de que “na prática a teoria é outra”.

Eu costumo dizer que tive a sorte em descobrir ainda jovem que ser um economista foi uma escolha que me fez feliz no trabalho – muito mais até que a carreira gerencial que trilhei no setor estatal, de governo e na iniciativa privada. E tive mais sorte ainda em estar na posição que conquistei nos anos noventa.

Agora, em meus últimos anos estando de volta ao trabalho de pesquisa econômica aplicada em nossa casa de análises, já totalmente mergulhado na área de conhecimentos da Economia Climática e uma vez mais atuando como aquele menino econometrista do final dos anos oitenta, tenho mais uma vez a sensação de fazer parte de algo que vai além das obrigações cotidianas, como foi no passado contribuir do meu espaço no Setor Elétrico Brasileiro com um novo Brasil após o Plano Real.

Esta noite, lendo as notícias dos 30 anos do Plano Real aqui na Serra da Mantiqueira, enquanto vejo imagens na televisão com tantos rostos conhecidos, eu só penso em jovens economistas como eu fui no passado. E como é injusto lhes dizer frases tolas construídas sobre velhas análises, como as que leio nos jornais, no Twitter/X ou em podcasts de tantas casas da Faria Lima ou mesmo da Avenida Paulista onde ficam nossos escritórios.

O Plano Real e os anos de trabalhos de tantos em múltiplas frentes dos diversos setores da economia, no setor público e privado, são o registro histórico do que somos capazes de fazer juntos, com respeito às diferenças de opinião e nos pautando pelo que a ciência nos oferece em suas múltiplas disciplinas, para o que nos permite construir.

Nós já o fizemos antes e faremos novamente o que disseram ser impossível. Se você é um jovem economista não acredite ser impossível nos fazer liderar na nova Era da Economia Sustentável, tanto quanto nos foi possível produzir o Plano Real. Acredite. Nós o faremos, tenham a certeza disso. Porque o filme que retrata o Brasil real é bem diferente do que aparece no cartaz que estão lhe apresentando na porta do cinema. E se quiserem um parceiro, podem me ligar porque vou estar junto de vocês.

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