Um dos Manuais de Economia mais conhecidos entre os economistas de todo o mundo é o publicado pelo fundador do Departamento de Economia do MIT – Massachusetts Institute of Technology: o professor Paul A. Samuelson, hoje em sua 19ª Edição em Português (e vigésima em Inglês). Este Manual tem sido revisado e expandido em suas últimas edições em parceira com o professor de Economia da Yale University e laureado com o Prêmio Nobel de Economia de 2018, por seus trabalhos inovadores no novo campo da Economia Climática: William D. Nordhaus.
Esta passagem de bastão nos aponta como a Ciência Econômica está evoluindo para incorporar novos elementos essenciais à compreensão da nova Era da Economia Sustentável – como temos chamado em nossos trabalhos os anos que virão, onde temos que substituir o modelo de produção da Era da Economia Industrial consolidada em nossos últimos trezentos anos de História Econômica.
É deste Manual que extraímos a definição de que “a Economia é o estudo da forma como as sociedades utilizam recursos escassos para produzir bens e serviços que possuem valor para distribuí-los entre indivíduos diferentes“. (Capítulo 1, página 3)
A História Econômica da Humanidade já enfrentou múltiplos desafios para superar a escassez de recursos para a sua sobrevivência e multiplicação até alcançar os pouco mais de oito bilhões de indivíduos hoje vivos.
Dos primórdios como nômades, o progresso técnico que permitiu a expansão de ferramentas para o cultivo tornou nossa espécie sedentária. A escassez e consequente aumento dos custos dos arranjos produtivos com mão-de-obra escrava foi superado pelas margens de lucro e novas tecnologias do período das grandes navegações mercantilistas. E da arquitetura de micro-organizações com mão-de-obra trabalhando remotamente no campo (sim, o trabalho remoto já foi dominante), superamos os riscos da fome diante do aumento da população. E depois, fomos além. Nós expandimos o progresso técnico, adicionando valor aos capitais com um salto da produtividade das fábricas nascidas na Revolução Industrial – que consolidou o modo como produzimos nossa subsistência biológica, social e cultural nos últimos trezentos anos de história.
Essa espetacular trajetória de aprendizado, progresso técnico e alocação otimizada de fatores de produção escassos (terra, capital e trabalho) foi o que trouxe a Humanidade aos tempos atuais. Nos tornamos uma economia planetária integrada e com demandas por consumo de bens e serviços crescentes, capacidades únicas como espécie sobre a Terra, em um feito tão grandioso que nos permitiu alterar até mesmo as condições da atmosfera, dos oceanos, terras e espaço: Bens Comuns que compartilhamos planetariamente.
Agora, pela grandeza dos nossos feitos, esbarramos em um novo limite de escassez que até aqui não havíamos ainda atingido: a limitação da capacidade da infraestrutura natural do planeta em entregar e renovar as matérias-primas que usamos em nossos processos produtivos no volume que os consumimos. A nossa forma de produzir também se limita agora pela escassez da disponibilidade atmosférica, oceânica e terrestre para absorver e reciclar os resíduos de nossos processos produtivos e hábitos de consumo.
Então, se no passado a escassez que nos afligia abrangia de alimentos ao agasalho, hoje os limites da escassez estão na capacidade de oferta de Bens Comuns como a atmosfera, os oceanos e até mesmo o acesso ao espaço extra-terrestre onde já enfrentamos no passado o desafio de conter a velocidade de abertura da nossa camada de ozônio. Digo isso para já antecipar que nós podemos superar mais esta crise de escassez se assim o quisermos, pois já enfrentamos juntos questões de dimensões planetárias antes.
Hoje, nossas tecnologias de produção e gerenciamento permitem superar quase todos os limites da escassez de bens e serviços concebidos na Era da Economia Industrial. E nosso ciclo de desenvolvimento com amadurecimento das tecnologias de automação (notadamente o machine learning, a inteligência artificial e robótica) irá tornar exponencial nossas habilidades de superação nos anos que se aproximam. A nossa capacidade de produção será ainda maior, mais voraz e cruelmente excludente de muitos de nós mesmos. Nos lembremos; a nossa cultura civilizatória é também um Bem Comum, que enfrenta também escassez.
O conceito dos chamados Bens Comuns é bastante conhecido há longo tempo pelos economistas. Mas a sua precificação e contabilização continua sendo uma das questões não resolvidas da Ciência Econômica da Era da Economia Industrial – reconhecidas como parte dos problemas de medição do Produto Interno Bruto (PIB) no System National Accounts (SNA) das Nações Unidas.
“Algumas atividades medidas como acréscimos ao PIB, na verdade, representam o uso de recursos para evitar ou conter males como crimes ou riscos à segurança nacional. De forma parecida, as contas não subtraem nada para a poluição e degradação ambientais. Essa questão é especialmente importante nos países em desenvolvimento. Por exemplo, um estudo realizado na Indonésia alega que a contabilização apropriada da degradação ambiental reduziria a taxa de crescimento econômico medido em cerca de 3%“. (Dornbusch, R. – Macroeconomia, 11ª Ed., Porto Alegre, AMGH, 2013, página 37).
No passado, muitos dos Bens Comuns que agora estão escasseando foram tratados em nossos modelos econômicos como fatores de produção abundantes – quase infinitos. Este método de abordagem fazia sentido, sob muitos aspectos, e justificava a necessidade de superar a ausência de capacidade de medição da oferta e procura por bens que têm escala planetária, pois tais medidas dificilmente poderiam ser obtidas com as tecnologias do passado.
“Foram feitas tentativas de construir uma série de PNB ajustado que considera algumas dessas dificuldades, aproximando-se de uma medição do bem-estar. O mais abrangente desses estudos, feitos pelo saudoso Robert Eisner, da Northwestern University, estima uma série do PNB ajustado, em que seu nível real é cerca de 50% maior do que as estimativas oficiais”. “Eisner apresenta seus dados em seu livro, The Total Incomes System of Accounts (Chicago:University of Chicago Press: 1989). No Apêndice E, ele resume uma variedade de outras tentativas de ajustar as contas-padrão a grandes inadequações. Eisner estimou uma série do PNB ajustado, em vez do PIB, principalmente porque ele fez seu trabalho no período em que o PNB era utilizado como medida fundamental do produto“.(Eisner, R., 1989 apud Dornbusch, R. 2013)
No entanto, a tecnologia evoluiu, as possibilidades de modelagem econométrica também e não é possível gerenciar a transição em tamanha escala dos processos produtivos consolidados nos últimos trezentos anos da Era da Economia Industrial, sem que possamos medir e precificar Bens Comuns. Hoje, condicionados pela escassez que nos é imposta pelos limites do planeta, isso não será uma tarefa fácil, mas necessária, pois é difícil gerenciar o que não pode ser medido.
Este é o primeiro grande desafio no campo da Economia Climática: como medir e precificar os Bens Comuns como a atmosfera, os oceanos, a oferta hídrica, a vegetação nativa, a biodiversidade ou mesmo o espaço extra-terrestre que até então julgávamos abundantes. Tanto que não nos preocuparmos com a sua escassez para a nossa sobrevivência como espécie e sociedade civilizada até aqui. E ajudar na superação desta barreira de escassez é o dever da Ciência Econômica atual.
As contribuições dadas por Nordhaus têm sido valiosas para os economistas climáticos, com destaque (mas não somente) para os Integrated Assessment Model of Climate-Change Economics – intitulados DICE – Dynamic Integrated model of Climate and the Economy e o que foi intitulado RICE – Regional Integrated model of Climate and the Economy desenvolvidos e aprimorados com a parceria do professor Paul Sztorc, ambos da Yale University. Estes instrumentos atestam o compromisso do professor Nordhaus com a própria recomendação feita em seu livro “The Spirit of Green: the economics of collisions and contagious in a crowded world“, Princeton, New Jersey, Princeton University Press, 2021 (página 88), a qual nos inspirou começar nossos estudos pela medição e precificação do que devemos estudar:
“Em uma economia onde todos os insumos e produtos são devidamente medidos, a produção sustentável pode ser calculada como produto nacional líquido, ou consumo mais investimentos líquidos. Este importante resultado sugere por que a medição da produção verde deve estar no topo da agenda de pesquisa para os economistas verdes. Essa agenda incluiria os tipos de correções que agora seguem atividades excluídas e mal medidas”.(tradução livre nossa)
Diante do desafio de contribuir para a substituição dos processos produtivos da Era da Economia Industrial para a nova Era da Economia Sustentável, o campo da pesquisa econômica e do desenvolvimento de métodos, métricas e instrumentos que permitam gerenciar os novos paradigmas econômicos tem muito para ser feito.
E vai muito além da simples questão dos gases do efeito estufa ou a contaminação atmosférica, dos oceanos e da infraestrutura natural como um todo. A biodiversidade está escasseando, a oferta hídrica global também, aumentam as dificuldades de produção de alimentos e os eventos climáticos extremos trazem novas realidades à nossa biossegurança e administração de atritos sociais. Como em outros momentos de transição da nossa História Econômica, viveremos anos de crise, mas iremos superar como já fizemos em nossa história.
Das proposições da economista Kate Raworth (da Oxford University) em seu “Economia Donut: uma alternativa ao crescimento a qualquer custo”, Rio de Janeiro, Zahar, 2019; passando pelos trabalhos variados de Jeffrey Sachs (da Columbia University) sobre o desenvolvimento econômico sustentável; o exame estatístico minucioso de Thomas Piketty (da Paris School of Economics e da London School of Economics) sobre a desigualdade e a pobreza, ou os esforços de sistematização teórica e instrumental de Frank Ackerman (da Tufts University) e Elizabeth Stanton (do Stockholm Environmental Institute) – apenas para citar alguns, mais e mais economistas se debruçam sobre os enormes desafios que o campo da Economia Climática (ou seria melhor dizer Economia Sustentável) nos impõe solucionar para a superação da escassez de Bens Comuns para o prosseguimento da Humanidade.
Os economistas brasileiros têm responsabilidade ainda maior com a formulação teórica da Economia Climática – pesquisando, desenvolvendo e aprimorando seus métodos, métricas e instrumental, dada a representatividade dos Bens Comuns da Humanidade alocados em nosso território e plataforma continental. E a Ciência Econômica Brasileira precisa aproveitar esta oportunidade única da nossa trajetória econômica, para colocar em perspectiva as múltiplas oportunidades de melhoria das condições de vida da nossa população na transição para a nova Era da Economia Sustentável.
Em nossa casa, a Ivisix Research Ltda, nós iniciamos esforços de desenvolvimento de modelos econométricos, econômico-financeiros e contábeis que contribuam para preencher “gaps” na medição dos Bens Comuns que são hoje nossa barreira de escassez à continuidade do desenvolvimento econômico em novas bases sustentáveis.
Podem ser contribuições modestas e localizadas. Mas o nosso objetivo é nos instrumentalizar para medir, gerenciar e regulamentar de forma adequada eventuais falhas mercadológicas que por certo a oferta e procura por Bens Comuns enfrentam. São questões muito próprias da Ciência Econômica mas de aplicação ampla em novos negócios que combinam a teoria e as ferramentas que dela vão surgindo, para as quais desejamos muito contribuir.
Os nossos trabalhos já resultaram em modelos de precificação alternativa de Créditos de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) de aplicação em nichos que batizamos de PSA Productivity Pricing, em projeto conduzido para o Tropical Forest Alliance do World Economic Forum em 2021, em parceria com nosso sócio na Infrapar Sustainability Ltda. , o engenheiro Marco Antonio Fujihara, que acumula décadas de experiência em questões relacionadas com a Sustentabilidade no Brasil e no exterior, e com o qual trabalhamos desde 2016.
Hoje buscamos por soluções que superem a medição e contabilização do valor de florestas não-manejadas e da vegetação natural. E também nos aprofundamos em reflexões sobre adequações da Teoria da Firma em novos cenários da Economia Sustentável dominando e customizando standards internacionais e taxonomias de disclosure, accountability, report e investment analysis pautadas pela nova Economia da Regulação da Sustentabilidade. Este trabalho já resultou em um novo Modelo de Administração por Indicadores da Sustentabilidade (MAIS), em desenvolvimento contando com a experiência do engenheiro Celso Hiroo Ienaga , nosso sócio na Dextron Technologies , um dos profissionais mais requisitados para discutir estratégia e governança corporativa em nosso País, em uma parceria que já fez seu segundo aniversário.
Nós desenvolvemos uma modelagem econométrica com instrumental da Economia Macrorregional da Sustentabilidade. Nós o chamamos de PROGITI – Programas de Gestão Integrada de Territórios Inteligentes, em um trabalho iniciado em 2013 com a bióloga Aline Tristão Bernardes – uma especialista em questões de gestão territorial e de paisagens para o Desenvolvimento Sustentável, com quem compartilhamos trabalhos no Instituto Tykyra .
E toda uma série de simulações e análises sobre as possíveis alterações que o System National Accounts (SNA) das Nações Unidas precisará incorporar nos próximos anos, para a contabilização dos Bens Comuns ao Produto e Renda das nações. Esta é uma das nossas áreas de interesse, e passa pelo nosso envolvimento com os trabalhos do Comitê Brasileiro de Pronunciamentos da Sustentabilidade, atuando como um membro convidado do CBPS representando a ANEFAC . As reuniões e trabalhos do Comitê têm sido valiosas em inputs para a modelagem nas áreas do ESG Investing e do Impact Investing. Mas nós buscamos contribuir com os novos métodos de contabilização da Sustentabilidade, na certeza de que os veremos refletidos em futuras revisões do Sistema de Contabilidade Social do Brasil.
Os Economistas Sustentáveis, nos chamemos assim em lugar de Economistas Climáticos (ao menos aqui neste breve esboço), têm um enorme desafio multidisciplinar e multifacetado para a construção de métodos, métricas e ferramentas de quantificação e precificação dos Bens Comuns, usando as modernas tecnologias da Ciência de Dados. Mas sem esquecer de que devemos formular sob um consistente método científico, os conceitos de expansão da teoria econômica que leve em consideração os novos limites de escassez dos Bens Comuns da Terra. Digo isto, porque passou o tempo dos “achismos” e replicações simplórias de soluções superficiais para problemas com a complexidade de um planeta.
A Era da Economia Industrial acabou. Não é o momento de apegos ao passado. Todos precisamos estar conscientes da citação do cientista político Marshal Berman em seu livro “Tudo o que é sólido se desmancha no ar: a aventura da modernidade” – São Paulo: Companhia de Bolso Editora, 2007 (pág.87). Nesta obra ele afirma ser de Karl Max a reflexão que deixamos aqui:
“Tudo o que é sólido desmancha no ar, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens são finalmente forçados a enfrentar com sentidos mais sóbrios suas reais condições de vida e sua relação com outros homens“.
É preciso renovar nossos conceitos, métodos, métricas e ferramentas. E por certo a reflexão de Karl Marx nos parece ser uma excelente orientação para os que enfrentam agora os desafios da Economia Climática. Nós, economistas, precisamos contribuir, sem pré-conceitos, para a complementação da teoria aplicada à nova Era da Economia Sustentável – e preferencialmente, fazendo isso com destaque aos trabalhos dos economistas que possuem a perspectiva dos brasileiros.