Estamos vivendo um período de transições únicas no modo pelo qual os seres humanos produzem a sua subsistência biológica e social. Hoje, enfrentamos uma importante restrição de recursos, imposta pela exaustão da infraestrutura natural do Planeta para suprir um estilo de vida que atende um terço da Humanidade. Há ainda dois terços na fila, ávidos para consumir os mesmos recursos. Mas a Terra já não suporta oferecer.
Então, busca-se por novos caminhos de desenvolvimento econômico, que ainda estão opacos, diante de nossas estruturas mentais forjadas pelos conceitos da Revolução Industrial e Científica dos últimos dois séculos – onde recursos naturais eram infinitos e a população dos países periféricos contentava-se em estar longe do estilo de vida da América.
Nestes dias de transição do modelo de produção, muitas siglas de múltiplos conceitos ainda imprecisos, sem métricas claras e muitas vezes sobrepostos, servem aos mais diversos propósitos – legítimos ou não.
Assim como aconteceu em outros momentos da História Econômica, é um tempo de novas oportunidades para a construção de grandes fortunas e geração de valor extraordinário na alocação inovadora de capitais.
O NOSSO DIAGNÓSTICO
Muito antes das lições e alertas da pandemia da COVID-19, como alocadores de capitais pacientes com maturação e riscos de longo prazo, já nos defrontávamos com análises de investimentos que reportavam uma natureza única da atual crise econômica.
Os nossos estudos macroeconômicos demonstram há pelo menos quatro anos, que a Revolução Industrial e Científica havia dotado a sequência de ciclos da expansão capitalista, da capacidade de superar qualquer crise de oferta de produtos e serviços, enquanto houvessem os recursos naturais a serem explorados na produção. Mas agora, o limite da disponibilidade da infraestrutura natural do Planeta foi alcançado. Não é possível prosseguir com o modelo de produção vigente, sem afetar o equilíbrio climático da Terra. Esta é, ao nosso ver, a incapacidade de expansão da oferta agregada a longo prazo.
Ao mesmo tempo, os mecanismos de inundação de crédito adotados nas crises dos anos noventa em diante, esbarram no limite dos juros negativos, que enfraquecem as ações das autoridades monetárias para estímulo ao consumo. Assim, a demanda agregada não voltará a crescer, em nossa visão, sem uma ampla redistribuição de renda, capaz de financiar o ingresso de outros dois terços na Humanidade no mercado de consumo global.
Para nós, esta é a natureza estrutural da crise de estagflação já anunciada, tanto quanto é o gatilho para a mudança estrutural do modelo de desenvolvimento econômico dos seres humanos.
A expansão da oferta está travada pelo esgotamento da infraestrutura natural frente a ameaça da extinção pela emergência climática. Enquanto a demanda está dormente, pela concentração da renda e pela incapacidade de continuar remunerando a expansão do crédito à juros negativos – aumentando os custos associados aos riscos de rompimento do pacto social em múltiplas nações e entre elas, como demonstram os vários conflitos regionais.
Sem a alteração das tecnologias e sistemas de produção da Revolução Industrial e Científica, não vamos contornar a exaustão da oferta de recursos da infraestrutura natural e desequilíbrios climáticos. E sem um amplo processo de redistribuição de renda em todo o globo, não iremos conseguir estimular o consumo para sobrepor a crise de demanda agregada.
Os ciclos capitalistas de desenvolvimento econômico se estagnaram. Salvo por uma pandemia ou evento de extinção que elimine dois terços da Humanidade e permita ao planeta continuar abrigando a vida do terço restante, a mudança completa é nossa única opção. Desculpem, como economista, me cabe discutir todas as nossas opções, e as exemplifico com eventos extremos, para maior clareza.
Este é o dilema para a continuidade do desenvolvimento econômico em bases sustentáveis. Assim, diante de tal diagnóstico, nosso desafio, antes de tudo, tem sido encontrar os métodos, métricas e instrumentos que, verdadeiramente, possam medir e permitam gerenciar este novo ciclo de desenvolvimento econômico e valorização de capitais.
Não há como delimitar o foco de nossas ações para a correção da oferta e da demanda, sem incorporar a análise, métodos, métricas e ferramentas que até aqui não eram consideradas – como por exemplo, o valor das externalidades positivas e negativas da produção, sobre a infraestrutura natural do Planeta e o custo associado ao uso da capital natural da Terra. É hora de reformar velhos manuais e refazer nossos modelos de análise e métodos de gestão.
Ao nos debruçarmos sobre tal desafio, a nossa grande dificuldade tem sido o grande festival de “greenwashing” turvando a nossa visão, auxiliado pelas múltiplas métricas de baixa efetividade e custos de aplicação inviáveis. Há ainda poucos instrumentos reais na Economia, para a gestão das mudanças que o destravamento da oferta e da demanda agregadas exigem, no cenário atual.
Tudo isso faz do momento que vivemos, um período fértil para oportunistas ilegítimos, tanto quanto para bravos desbravadores que tomam riscos, conscientes ou não, aplicando o método (que é válido) de aprendizado pela tentativa e erro.
O ESG AINDA NEBULOSO
A aplicação das três letras mágicas “E” de Environmental, “S” de Social e “G” de Governance é um conceito ainda nebuloso, tanto na Economia quanto em outros campos do conhecimento humano. Há entendimentos múltiplos, conforme a formação acadêmica, experiência profissional e interesses legítimos ou não do interlocutor que dele faz uso.
Há ainda centenas de métricas, e mesmo dezenas de índices, criados por organizações e especialistas ligados aos setores de estudos sobre sustentabilidade nas últimas décadas, hoje, usados para delimitar o que se deseja classificar como ESG. Por muitos anos, desde que o conceito de Sustentabilidade foi primeiramente formulado há décadas, desde a Organização das Nações Unidas, passando pelas Universidades e Organizações Não-Governamentais dos mais diversos matizes buscam medir e construir metodologias para os mais diversos propósitos.
Em tempos mais recentes, as métricas de relatos e contabilidade têm se afunilada no entorno de alguns conjuntos de indicadores – em um processo que ainda tem alguns anos de refinamentos pela frente.
Mas o quanto neste “framework”, o “E” ( do Environmental) de fato contribui para a construção de um novo modelo de oferta que supere a exaustão da infraestrutura natural e o efetivo reequilíbrio da condições climáticas do planeta?
O mesmo pode ser questionado sobre a efetiva contribuição que o “S” ( Social ) em cada projeto ou empreendimento, concretamente, contribui para a superação dos desequilíbrios de renda e restauração da capacidade do consumo de longo prazo.
São duas questões de natureza econômica, que buscamos construir, pois esta sim, seria a nossa resposta para a superação da crise climática, a reconstrução das perspectivas de sobrevivência a longo prazo dos seres humanos na Terra, e, acima de tudo, a correção dos desequilíbrios e injustiças sociais, permitindo que outros dois terços da humanidade possam alcançar a qualidade que o padrão de vida do primeiro da terço da raça humana já desfruta.
O “G” de Governance, em nossa visão, são as novas avenidas regulatórias do novo modelo de desenvolvimento econômico em elaboração. Mas este é um tema mais específico, sobre o qual falaremos oportunamente, pois a regulação econômica nasce da análise das condições de equilíbrio de oferta e demanda agregadas, que buscamos estudar sob um novo padrão de produção, em substituição ao que foi construído nos últimos dois séculos.
O CONCEITO DO GREENWASHING
A expressão greenwashing é usada de modo pejorativo, para definir projetos ou empreendimentos em geral que fingem contribuir para a redução das emissões do efeito estufa ou que resultam em contribuições ao meio ambiente – sem que de fato o façam.
A nossa definição de greenwashing, no entanto, sem desconhecer a anterior, tem mais relação com o rigor conceitual que métricas, métodos e ferramentas são selecionadas para aferir os resultados de um projeto ou empreendimento, que efetivamente contribua para o aumento da oferta da exploração responsável da infraestrutura natural e para o reequilíbrio das condições climáticas do planeta. Enquanto de fato promove redistribuição da renda, com o objetivo de recuperar as condições de consumo consciente e reduz os desequilíbrios sociais.
Isto implica dizer, que mesmo operações legítimas, que resultam em ganhos para os aplicadores e se enquadram por completo no Governance (“G”) dela exigido, podem ser caracterizadas como greenwashing. Isto se, não resultarem em contribuições efetivamente mensuráveis com o melhor rigor da ciência, para o aumento da oferta e da demanda agregada no âmbito no novo modelo de desenvolvimento sustentável – como o definimos acima.
Como são muitos os casos que podemos explicar, vamos nos concentrar apenas em um deles, muito comentado e muito caro aos olhos dos alocadores de capitais pacientes: a opção de alocação de recursos anunciada por um dos maiores gestores de capitais do planeta, chamado BlackRock, Inc.
O CASO BLACKROCK, INC.
Quase dois anos se passaram desde que Larry Fink, o então CEO da BlackRock Inc., declarou que uma reformulação fundamental do capitalismo global estava em andamento e que sua empresa ajudaria a liderá-la, tornando mais fácil investir em empresas com práticas ambientais e sociais favoráveis .
Hoje, os fluxos financeiros alocados com tal propósito anunciado continuam a crescer e dominar as operações do BlackRock, que tem nos seus chamados fundos ambientais, sociais e de governança e investimentos semelhantes, sua principal bandeira de alocação de recursos atualmente, tendo declarado em sua última conferência com analistas, em 2021, ser o BlackRock o líder neste tipo de portfólio no mercado norte-americano.
O que nossos estudos mostram, no entanto, que a BlackRock conduziu uma parte significativa dessa mudança ao inserir cotas do seu fundo ESG primário em carteiras de investimentos populares e de grande pulverização oferecidas a assessores de investimento, que os usam com clientes em toda a América do Norte – sem qualquer vinculação efetiva à projetos que possam de fato contribuir com as condições de oferta e demanda agregada em um novo modelo de desenvolvimento econômico sustentável.
Os enormes fluxos de tais carteiras significam que muitos investidores entraram em um veículo ESG sem necessariamente escolher um deles como estratégia de investimento específica, ou mesmo saber que seu dinheiro foi canalizado para um fundo de investimentos que tem por objetivo contribuir para alocações em soluções de demanda e oferta por um novo modelo de desenvolvimento econômico sustentável. Isto é, o ESG não é um critério de alocação de capitais para tais investidores ou assessores de investimentos.
Em suma, uma aparente corrida liderada pela BlackRock, com investidores em ESG nos últimos dois anos, tem sido uma espécie de profecia autorrealizável, pelo menos quando se trata do maior fundo ESG do planeta: um fundo da BlackRock negociado em bolsa sob o código ESGU, de acordo com dados da BlackRock e outros colhidos de pesquisas na plataforma Morningstar.
Uma análise da Bloomberg Businessweek publicada no início deste mês, infelizmente somente acessível para assinantes do serviço, revelou que as classificações citadas pela BlackRock para justificar o selo sustentável do fundo, não têm quase nada a ver com o impacto ambiental e social que as empresas investidas pelo fundo têm no mundo.
Em vez disso, segundo o exame de relatórios e cartas dos gestores do fundo, as classificações são projetadas principalmente para medir o oposto: o dano potencial que as regulamentações governamentais e outros fatores podem causar aos resultados financeiros das empresas, especialmente quando se trata de abordar as mudanças climáticas.
Por exemplo, a análise da Bloomberg descobriu que apenas uma das 155 atualizações de critérios ESG das empresas do fundo integrantes do S&P 500, citou um corte real nas emissões de gases do efeito estufa como um fator determinante da alocação de capitais resultante das análises de investimentos realizada.
As classificações de ESG asseguradas a tal fundo vêm da MSCI Inc., que conta a BlackRock como seu maior cliente. (O nome formal do fundo ESGU é iShares ESG Aware MSCI USA ETF). Essas classificações, que dominam o mundo do investimento sustentável, abriram as portas para empresas proprietárias da ESGU que estão entre as consideradas as piores ofensivas por alguns investidores com foco na responsabilidade ambiental e social.
Isso inclui os gigantes de combustíveis fósseis Chevron e Exxon Mobil, junto com o Facebook (agora chamado de Meta Platforms), Amazon, McDonald’s e JP Morgan Chase, que é o maior financiador de projetos de combustíveis fósseis desde os acordos de 2015 em Paris. Na verdade, o fundo ESGU tem um peso maior em 12 ações de combustíveis fósseis do que o S&P 500, de acordo com a Bloomberg Intelligence, o braço de pesquisa da Bloomberg.
As análises da Bloomberg Businessweek ajudam a melhorar estudos da indústria de serviços financeiros para o que está acontecendo dentro da ESGU e fundos sustentáveis em geral. Os fundos ESG, incluindo o próprio ESGU, geralmente cobram dos investidores taxas mais altas em média do que seus equivalentes não classificados de forma sustentável.
É bem verdade que as taxas do ESGU são mais baixas do que as médias da indústria norte-americana para fundos sustentáveis, mas ainda são cinco vezes maiores do que nossas análises observaram, examinando o um rastreador S&P 500 que negocia sob o ticker IVV – um fundo BlackRock popular cuja composição e desempenho esperado estão estreitamente alinhados com os do ESGU.
Mesmo para investidores que tomam uma decisão consciente de entrar no ESG, sejam eles instituições ou pessoas físicas, quando adquirem cotas de um fundo como ESGU, não estão de fato ajudando a mitigar as mudanças climáticas ou tornar o mundo um lugar melhor por meio de seus investimentos, enquanto as emissões continuam a subir e os males sociais aumentam. Em nada se relacionam com o aumento da oferta e demanda agregadas que perseguimos para destravar a implantação de um novo modelo de desenvolvimento econômico sustentável.
A BlackRock costuma publicar comunicados afirmando que as taxas do ESGU estão 1 ponto-base, ou 0,01%, abaixo da taxa média ponderada de longo prazo para investidores que escolheram seu portfólio de fundos populares pulverizados, os quais incluem cotas do ESGU.
Afirma ainda que o ESGU foi incluído em carteiras de referências para diferentes mercados, que não são ofertas regulamentadas, no âmbito da sua obrigação fiduciária para com os clientes. E mais, que o ESGU superou o fundo IVV em cerca de 2,6% nos últimos dois anos, “resultando em benefícios significativos para os seus cotistas, superiores à diferença de taxas entre os dois ETFs”.
Bem, a abordagem de nossos estudos não questiona a rentabilidade comparativa dos fundos com outras oportunidades do mercado, mas sim, o quanto de fato este tipo de aplicação seria, sob os nossos conceitos, um greenwashing ou não. A BlackRock comercializa o ESGU oferecendo aos investidores exposição a empresas com práticas ambientais e sociais favoráveis, sem dizer especificamente o que isso significa.
E mesmo que a BlackRock já tenha dito que o greenwashing é um risco para os investidores, razão pela qual ela apoia iniciativas regulatórias para melhorar o transparência, e fundos sustentáveis, não muda muito o nosso entendimento de que tal prática, mais que comum hoje nos mercados de todo o mundo, em nada contribuirá para os desequilíbrios da oferta e demanda que nosso conceito de ESG busca obter.
A história de como o ESGU se tornou um fundo recorde e o garoto-propaganda do boom de investimentos em ESG, começou com duas cartas publicadas em 14 de janeiro de 2020, pela BlackRock como instituição e pelo seu, então CEO, Larry Fink. São marcos, recorrentemente citados, inclusive por nós, como um divisor de águas para o ESG Investing ganhar as ruas com a popularidade hoje atingida.
Em um deles, o então CEO do BlackRock alertou os seus pares em empresas globais que eles estavam enfrentando uma potencial bomba-relógio quando os investidores acordaram para a crise climática. Este alerta foi importante porque o BlackRock administra US$ 10 trilhões, possui mais ações em grandes corporações globais do que qualquer outra, e logo, os administradores de tais empresas tendem a ouvir. “Acredito que estamos à beira de uma reformulação fundamental das finanças”, escreveu Fink em negrito na sua carta icônica de 14 de janeiro de 2020, acrescentando: “Em um futuro próximo – e mais cedo do que a maioria antecipa – haverá uma realocação significativa de capital”.
Em uma segunda carta, a instituição BlackRock prometeu aos clientes por trás de todo o dinheiro que administra, que o ESG seria sua estrela guia. “Acreditamos que a sustentabilidade deve ser nosso novo padrão de investimento”, disse o documento publicado.
As duas cartas renderam a Fink o tipo de manchetes globais com que a maioria dos CEOs de Wall Street só pode sonhar, declarando que ele estava fazendo nada menos que reconstruir o capitalismo, enquanto o torna, ainda hoje, um dos líderes do que – em nosso entendimento – deveria ser a virada para um novo modelo de desenvolvimento sustentável, que supere os impasses de oferta e demanda hoje existentes para uma nova sequência de ciclos de desenvolvimento econômico do capitalismo sustentável.
Uma das principais fontes de novas vendas da BlackRock nos últimos anos tem sido a oferta de “carteiras de referência” para planejadores financeiros e consultores de fortunas. Em essência, são planilhas gratuitas. Assim, em vez de perder tempo montando carteiras para os clientes, os consultores podem simplesmente perguntar sobre seus objetivos financeiros e oferecer a cada um uma seleção de opções pré-embaladas. Elas são uma cortesia da BlackRock e, não por acaso, são preenchidas exclusivamente com fundos da BlackRock.
Vejamos então: existem nos Estados Unidos da América, cerca de noventa mil assessores de investimentos certificados. Como a BlackRock fez o trabalho por eles, os assessores ganham tempo extra para buscar novos clientes, oferecer serviços adicionais ou fazer o que quiserem, ao mesmo tempo em que cobram seus honorários de assessoria de investimentos, em tese realizadas com foco em alocação de capitais em ativos com a classificação efetiva do ESG.
Ainda segundo os estudos da Bloomberg Businessweek, em 15 de janeiro de 2020, um dia após a carta de Fink predizer uma grande realocação de capital em sustentabilidade, a BlackRock alterou seu conjunto mais popular de portfólios adicionando ESGU em sua série “Target Allocation ETF Portfolio Strategies”: o maior e mais popular dentro da suíte de aplicações da BlackRock. Esta suíte de aplicações é oferecida por assessores financeiros, com uma estrutura de alocação de proporção 60/40 entre ações e investimentos de renda fixa, passando a incluir cotas do ESGU como uma de suas duas principais participações.
Desta forma, o próprio BlackRock ajudou a garantir que a previsão de seu CEO em carta aos cotistas se tornasse realidade. Os assessores de investimentos que usam os modelos de análises de plataformas online não tiveram escolha a não ser colocar seus clientes no ESGU se quisessem alocar seus recursos em uma das estratégias de investimento mais populares à venda pelo maior gestor de carteiras de investimentos dos Estados Unidos da América.
O ESGU tinha apenas US$ 1,6 bilhão quando 2020 começou, mas terminou o ano dez vezes maior, com US$ 16,4 bilhões sob gestão. Naquele mesmo ano, a BlackRock respondeu por cerca de metade do crescimento recorde dos fundos ESG, e cerca de metade disso veio apenas do ESGU. Analistas de Wall Street e a mídia declararam que o ESG alcançou o proverbial ponto de inflexão e se tornou uma ferramenta comum para os investidores no varejo norte-americano. Os materiais de marketing e artigos de notícias, hoje, afirmam rotineiramente que os investidores têm aumentado suas apostas nos fundos ESG. Pela forma como foi feito, para nós, não é verdade, mas sim uma operação de “greenwashing” simples e bem delineada, ainda que legítima e vantajosa para os seus investidores.
E mais ainda. Para nossas análises, o que tem recebido muito menos atenção é o fato das plataformas de investimento automatizadas geraram a miragem de uma debandada de investidores em direção à opções de alocação ESG. Na verdade, muito pouco deste capital alocado, de fato se enquadra em nossa conceituação voltada para novos projetos e empreendimentos que contribuem para o aumenta da oferta e a restauração da demanda em um novo ciclo de desenvolvimento sustentável.
Para explicar nossa preocupação, vamos fazer uma analogia grosseira para o que isso significa em ofertas efetivas de alocações de capitais que contribuirão para um novo ciclo de desenvolvimento sustentável.
Imagine que a maior empresa de alimentos do mundo declarasse que vai liderar um esforço para mudar o planeta na direção de uma agricultura mais sustentável. E então, no dia seguinte, discretamente ela colocasse algumas cenouras orgânicas em todas as caixas de frutas e vegetais que oferece aos seus clientes pelo mundo. De repente, as vendas de produtos orgânicos mostrariam um grande aumento, fazendo parecer que há uma grande mudança na demanda por uma nova forma “ sustentável ” de produzir alimentos. É isso o que operações como as do ESGU estão fazendo.
E por fim, para uma confirmação final dos resultados de nossas análises, avaliamos que o ESGU é um dos 16 ETFs do portfólio mais popular da BlackRock. E as cartas dos gestores que a BlackRock fornece sobre o acompanhamento da sua gestão não faz nenhuma menção à sustentabilidade como parte da estratégia de investimentos do portfólio ou a combinação de alocação de capitais baseadas em métricas de tal critério. Esta é para nós, uma forma sutil de greenwashing.
E mesmo que pese haver milhares de outras formas ainda mais explícitas, especialmente nos mercados de capitais com regulamentos mais falhos e através de mecanismos de Finanças Descentralizadas (DeFi), não é justificável como ESG, ainda que seja correto do ponto de vista do Governance (“G”) do BlackRock.
Veja, nós realmente acreditamos no real compromisso do BlackRock com ESG e a construção de um novo modelo de desenvolvimento econômico. No entanto, mesmo com bons propósitos e compromissos publicamente assumidos, é possível à uma instituição de renome a atuação global, desenvolver produtos e soluções que podem não surtir os efeitos desejados sobre a oferta e a demanda agregadas que necessitamos fazer surgir para um novo modelo de desenvolvimento sustentável.
INDO ALÉM DO GREENWASHING
Um novo modo de produção que resulte em uma nova sequência de ciclos econômicos sustentáveis, exigirá investimentos jamais vistos na História Econômica. Os prazos para a maturação de tais investimentos será longo e a sua resiliência aos riscos precisa ser a mais alta.
Afastar o greenwashing já no início de qualquer análise de investimentos é fundamental para que a alocação de capitais planejada, alcance os objetivos econômicos que nos levem à uma nova sequência de ciclos de desenvolvimento econômico sustentável – gerenciando a infraestrutura oferecida pela natureza da Terra, remunerando o capital natural em nossos estudos de retornos, reequilibrando o clima e promovendo a redistribuição de renda capaz de restabelecer a expansão consciente do consumo.
Estas são premissas de nossas análises e parâmetros de nossos modelos econométricos e financeiros, quando promovemos a aplicação do framework ESG e com ele construímos soluções da Descentralized Finance (DeFi). Este tem sido nosso esforço, e sobre ele, falaremos ainda mais em próximos posts, de modo a obter contribuições e críticas que ajudem no aprimoramento do nosso trabalho e de terceiros nesta mesma direção.